domingo, 15 de outubro de 2023

Santa Teresa d'Ávila


    Doutora da Igreja, uma 'franciscana' dentro da Ordem Carmelita no século XVI, mística de primeiríssima ordem, 'eremita' alma desde a infância e sempre apaixonada pela santidade, uma linda jovem da baixa nobreza da Espanha, que fugiu de casa para um convento, mais tarde foi reconhecida por seus escritos como um dos maiores gênios da humanidade.
    Quando criança, lia com o mais novo irmão as histórias dos Santos que lhes caiam em mãos. E querendo imitar os mártires de então, um dia fugiram de casa para ir a África, onde desejavam entregar a vida por amor a Cristo. Graças à Divina Providência, porém, esbararam com o tio numa cidade vizinha e foram trazidos de volta. Inocentes, mas realmente atraídos por Deus, decidiram viver como 'eremitas' dentro da própria casa. Tereza já mostrava inclinações para passar horas e horas sozinha, em profunda contemplação.
    Em 1530, aos 15 anos, um ano após da morte de sua mãe, foi estudar no Convento das Agostinianas de Ávila, como faziam as jovens de sua cidade, mas sua saúde não lhe permitiu ficar. E assim, do contato que teve com as freiras e dos sonhos da juventude que começava a viver, chegou mesmo a hesitar entre abraçar ou não a vida religiosa. Contudo, por força do luminoso hábito das leituras espirituais, os inspirados argumentos das cartas de São Jerônimo definitivamente tocaram sua alma.
    Tornou, então, a insistir com pai para entrar no Convento Carmelita da Encarnação. Porém, sabendo da fragilidade de sua saúde, ele resistiu. Seu coração, no entanto, já fervorosamente vivia a , e aos 20 anos mais uma vez fugiu de casa.


    Mas após fazer os votos, sua enfermidade voltou a agravar-se, e seu pai, que já estava resignando-se com sua vocação, viu-se novamente trazendo-a para casa. Nessa condição, a oração mental que aprendeu do livro 'O Terceiro Alfabeto Espiritual', do Padre Francisco de Osuna, foi seu remédio durante 3 anos. E não falhou.
    Uma vez restabelecida, logo voltou ao convento, e, como a regra permitia, Teresa passava horas no locutório, uma vez que sua simpatia e inteligência atraíam muitas visitas. E já estava bem afastada das orações quando seu pai veio a falecer. Muito comovida e sensibilizada por este acontecimento, voltou a rezar com frequência e nunca mais parou.
    Não perdia um sermão sequer, de tão tocada que era pelas palavras, mas insistia em não abandonar o parlatório e as visitas que recebia. Percebendo a ambiguidade desse comportamento, suas orações tornaram-se um pedido de socorro aos Santos penitentes, aos quais ela atribui dois cruciais momentos em sua vida espiritual: primeiro quando leu 'Confissões' de Santo Agostinho, depois quando sentiu um chamado à penitência diante do quadro da Paixão de Cristo: "Senti que Santa Maria Madalena vinha em meu socorro..."
    Um dia, porém, teve ainda maior sinal. Ao contemplar o crucifixo, num sincero lamento perguntou: "Senhor, quem Vos colocou aí?" E ouviu locução interior: "Foram tuas conversas no locutório que Me puseram aqui, Teresa." Essas palavras fizeram-na cair em um longo pranto e terminantemente afastar-se das pouco frutíferas conversas com parentes e amigos, que, de fato, nada queriam da vida religiosa.
    Tinha 45 anos quando sua sobrinha, também freira, sugeriu-lhe construir um convento menor, que servisse de refúgio para elas, pois em Ávila havia 140 religiosas. Na verdade, Santa Teresa já não mais se conformava com a vida confortável e pouco espiritualizada do convento. A clausura quase não existia, pois as concessões para sair eram dadas com muita liberalidade, e o contato com o mundo exterior era diário e intenso através dos locutórios. Por fim, as doações dos pobres aldeões faziam do cardápio diário das freiras quase um banquete.
    Desde 1559 ela já contava com os auxílios do iluminado São Pedro de Alcântara, não por acaso um franciscano, seu confessor, místico e amigo. Ele ajudou-a a convencer o Provincial Carmelita e o Bispo de Ávila quanto aos seus planos. Mas entre as freiras e seus nobres parentes, bem como entre muita gente em Ávila, ela parecia estar absolutamente só. As críticas eram muito frequentes e cheias de maldades, e logo fizeram o Provincial retirar sua autorização.
    O Bispo, entretanto, reconheceu que a Ordem do Carmelo havia fugido à sua vocação inicial e conseguiu do Papa Pio IV, em 1562, uma autorização para que nossa Santa fundasse a nova casa. Consigo vão a sobrinha e três freiras. Aí nascia o primeiro Convento das Carmelitas Descalças da Regra Primitiva, ou o Convento de São José. O termo 'descalço' era porque se decidiram por não usar sapatos, à época considerados um luxo, de uso quase exclusivo dos nobres, mas apenas sandálias.
    Lá o silêncio era quase absoluto e todas viviam a pobreza realmente evangélica. Para que não se abusasse das horas em conversas, Santa Teresa não queria mais que 13 freiras por convento, mas, por fim, acabou aceitando até 21. As regras, no entanto, pareciam muito rígidas, e novas intrigas e críticas levantaram-se contra ela. Não demorou, e o novo Geral da Ordem obrigou-as a recolherem-se no antigo convento, sob as normas tradicionais. Entretanto, ninguém menos que o Rei Felipe II intercedeu a seu favor, e aos poucos a população ia percebendo a vontade de Deus naquela freira, passando a ajudar-lhe a abrir outras casas.


    Também recebeu a preciosa ajuda de um inspirado frade carmelita: São João da Cruz, grande sábio e místico da Igreja, que colaborou redigindo a Regra Masculina dos Carmelitas Descalços. E assim, quando veio a falecer, Santa Teresa deixava, além de vários reformados, 32 novos conventos: 17 femininos e 15 masculinos.
    Em 1580, enfim, o Papa Gregório XIII concedeu autonomia à Ordem Carmelita Descalça. Sua obra sobremaneira reparava a devastação de ódio deixada pelo protestantismo, que por soberanos e senhores feudais era imposto às populações da Alemanha, da Inglaterra, da França e de vários países europeus naquele século.
    Em 1582, aos 67 anos, de muito frágil saúde, ela ainda tentava abrir mais um convento em Burgos, na Espanha, quando de passagem por Alba de Tormes não resistiu e foi acamada. Três dias mais tarde, após receber os Sacramentos ela disse: "Oh, Senhor, por fim chegou a hora de vermo-nos face a face!"
    Seus escritos melhor falam de si mesma:

    "Compararei a Divindade com um polido diamante muito maior que o Universo. Todas nossas ações refletem-se n'Ele, porque Ele encerra todas coisas, tanto que fora da sua amplitude nada existe."
    "Tão logo Sua Majestade o deseje, Deus e a alma compreendem-se, como dois amigos que não precisam de palavras para manifestar a grande afeição que os une."
    "Em nosso próximo, procuremos ver tão somente as virtudes e as boas obras, e cubramos seus defeitos considerando nossos pecados."
    "Caminho da Cruz é o que Deus reserva a Seus escolhidos: quanto mais os ama, mais os sobrecarrega de tribulações."
    "As cruzes dos contemplativos são muito pesadas, e o Senhor só as manda para as almas já provadas desde muito tempo."
    "As palavras de Deus fixam-se tão profundamente no espírito que não mais é possível esquecê-las; ao passo que aquelas do intelecto se assemelham a um fugaz pensamento que subitamente se esvai da mente."
    "Achegando-nos ao Santíssimo Sacramento com grande espírito de fé e de amor, creio que uma única Comunhão é suficiente para deixar-nos ricas. O que dizer, então, de tantas que já recebemos?"
    "O Senhor não Se contenta em igualar Seus dons a nossos modestos desejos."
    "O Senhor sabe o que cada pessoa pode fazer, e quando Se encontra com uma forte alma, não cessa de nela impor Sua vontade."
    "Quando a alma está verdadeiramente ferida pelo amor de Deus, desvencilha-se sem nenhuma dor do amor das criaturas, isto é, ela não se sente prisioneira de nenhum afeto. Sem dúvida, a isso não se pode chegar sem o amor de Deus, porque as coisas criadas, se muito desejadas, causá-nos-iam sempre algum sofrimento, especialmente se quiséssemos abandoná-las..."
    "O Senhor também deve vir em nosso socorro na proporção das fadigas que aguentamos por causa de Seu amor. E visto que essas angústias são grandes, menores não devem ser as Graças."
    "Deus tem cuidado de nossos interesses muito mais que nós mesmos, sabendo o que convém a cada um."
    "Não creias que seja possível a quem verdadeiramente ama o Senhor, ao mesmo tempo amar as vaidades da terra."
    "A porta por onde me vieram tantas Graças foi somente a oração: se ela estivesse fechada, eu não saberia de que outra maneira poderia recebê-las. Quando Deus quiser entrar numa alma para ali Se deleitar e preenchê-la de bens, apenas esta possibilidade existe porque Ele a quer sozinha, pura e desejosa de recebê-Lo."
    "A oração não é senão um ato de amor, e é insensato pensar que só se faz oração quando se dispõe de tempo e solidão."
    "Oração e sofisticadas maneiras não combinam."
    "É um fato que, embora saibamos que estamos sempre na presença de Deus, muitas vezes negligenciamos pensar nisso."
    "Rezar pelos que estão em pecado mortal é muito grande esmola."
    "Ó Senhor! Em que angústias colocais quem Vos ama! No entanto, tudo é pouco diante da maneira com que logo o favoreces."
    "No Dia de Ramos, acabando de comungar, entrei em grande suspensão, de modo que nem podia engolir a Espécie. E, tendo-a na boca, verdadeiramente senti, ao voltar um pouco a mim, que toda ela Se enchera de sangue."
    "Jamais se peca sem sabê-lo."
    "O Senhor ama-nos mais que nós mesmos nos amamos."


    Como se percebe, Santa Teresa viveu a mística cristã em grande intensidade. De fato, ouvia frequentes locuções interiores, tinha visões e facilmente entrava em êxtase espiritual. Tinha o dom de discernimento de espírito e da profecia, além de ter realizado vários milagres.
    Ainda segundo seus escritos, um anjo traspassou seu coração com uma seta de fogo, o que foi confirmado por um largo e inexplicável corte que nele se viu quando seu corpo foi exumado e aberto. Conservado, ele ainda pode ser visto.
    Ela foi sepultada em Alba, mas suas relíquias foram distribuídas pelas principais igrejas da Europa, aí ficando apenas o braço esquerdo e o coração.


    Santa Teresa, rogai por nós!