terça-feira, 22 de agosto de 2023

Nossa Senhora Rainha


    Em 1954, o Papa Pio XII instituiu a celebração da Memória de Nossa Senhora Rainha. Foi uma declaração mais que devida, pois vários Santos já haviam-na afirmado Rainha. O próprio São João Evangelista, que por Jesus foi incumbido da guarda de Sua Mãe e Nossa Mãe, deixou um evidente registro de Sua coroação nos Céus: "Em seguida, apareceu no Céu um grande sinal: uma Mulher revestida do sol, tendo a lua debaixo de seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas." Ap 12,1
    E nós proclamamos a Santíssima Virgem como Rainha para ainda mais exaltar o Reino de Seu Filho, do qual ela é a primeiríssima participante. Sem dúvida, foi primeiramente a Maria que o Arcanjo São Gabriel anunciou o início do eterno reinado de Cristo: "Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus dá-Lhe-á o trono de Seu pai Davi. Ele reinará eternamente na Casa de Jacó, e Seu Reino não terá fim." Lc 1,32-33
    Afirmativamente, o próprio Jesus declarou a divina natureza de Seu Reino, quando interpelado por Pilatos: "Meu Reino não é deste mundo." Jo 18,36
    Este Reino foi instaurado desde o início de Sua vida pública, como Ele afirmou: "Mas se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demônios, então chegou para vós o Reino de Deus." Mt 12,28
    Isso significou a ostensiva presença de Deus entre nós, segundo São João Evangelista: "E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós, e vimos Sua Glória..." Jo 1,14a
    Além do muito especial reinado de Maria, a Mãe do Rei, iniciado desde sua Assunção aos Céus, Jesus prometeu aos Apóstolos que eles reinariam Consigo: trata-se da efetiva Graça da Comunhão dos Santos: "Em Verdade, declaro-vos: no dia da renovação do mundo, quando o Filho do Homem estiver sentado no trono da Glória, vós, que Me haveis seguido, estareis sentados em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel." Mt 19,28
    Ele também falou de gente comum, mas certamente Santa, ativamente participando das decisões de Seu Reino: "No Dia do Juízo, os ninivitas levantar-se-ão com esta raça e condená-la-ão, porque à voz de Jonas fizeram penitência." Mt 12,41
    Essa afirmação foi repetida por São Paulo: "Se soubermos perseverar, com Ele reinaremos." 2 Tm 2,12
    E pedindo perfeita obediência às igrejas locais, Jesus promete algo ainda mais especial: Seu próprio trono para que nele nos sentemos: "Ao vencedor, concederei assentar-se Comigo no Meu trono, assim como Eu venci e sentei-Me com Meu Pai em Seu trono. Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas." Ap 3,21
    Esse é o Reino de Sacerdotes de que falam as Escrituras, já em vigência neste mundo, que é cantado nos Céus pelos quatro Seres e vinte e quatro Anciãos em agradecimento ao Cordeiro: "Cantavam um novo cântico, dizendo: 'Tu és digno de receber o livro e de abri-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de Teu Sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça. E deles para Nosso Deus fizestes um Reino de Sacerdotes, que reinam sobre a terra.'" Ap 5,9-10
    Com efeito, notadamente os Santos, por sua total fidelidade até à morte, encontram-se em pleno reinado sobre este mundo, tal como Jesus havia prometido: "Então ao vencedor, ao que praticar Minhas obras até o fim, dá-lhe-ei poder sobre as pagãs nações." Ap 2,26
    O livro do Apocalipse também fala dos tronos dos Santos, cujas almas já estão no Céu, assim como do reinado deles, sempre pela espiritual Comunhão através de Jesus: "Também vi tronos, sobre os quais se assentaram aqueles que receberam o poder de julgar: eram as almas dos que foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus... Feliz e Santo é aquele que toma parte na primeira ressurreição! Sobre eles a segunda morte não tem poder, mas serão Sacerdotes de Deus e de Cristo. Com Ele reinarão durante os mil anos." Ap 20,4.6


    Nos Céus, portanto, onde de especial modo reina Nossa Mãe e Rainha, os Santos recebem, além de um trono, a coroa da Vida, que também foi prometida por Jesus: "Sê fiel até a morte, e dá-te-ei a coroa da Vida." Ap 2,10
    No entanto, Ele avisou-nos das maquinações do inimigo, que quer tomar-nos essa coroa, e também da brevidade dos tempos, seja ele o tempo de Sua Volta seja o tempo de nossa partida desse mundo: "Venho em breve. Conserva o que tens, para que ninguém tome tua coroa." Ap 3,11
    No mesmo tom de advertência, São Tiago Menor falou sobre a celestial coroa: "Feliz o homem que suporta a tentação. Porque depois de sofrer a provação, receberá a coroa da Vida que Deus prometeu aos que O amam." Tg 1,12
    São Pedro chamou-a de coroa da Glória: "E quando aparecer o Supremo Pastor, recebereis a imperecível coroa de Glória." 1 Pd 5,4
    Ora, se a pobres pecadores está prometida tamanha Glória, de serem coroados e de assentarem em tronos no Reino de Deus, como poderíamos negar a coroação e o reinado à Imaculada Virgem que nos trouxe a Salvação? Por inspiração do Espírito Santo, e tão somente ao receber a saudação de Nossa Mãe Celeste, Santa Isabel respondeu-lhe: "Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o Fruto de teu ventre. Donde me vem esta honra: de vir a mim a Mãe de Meu Senhor?" Lc 1,42b-43


    Também não deve prosperar, senão simbolicamente, a interpretação que vê a Igreja na Mulher citada por São João Evangelista no livro do Apocalipse. De fato, Jesus foi gerado no ventre de Maria e não pela Igreja, que só seria instituída depois de Sua Ascensão, quando da vinda do Espírito Santo no Pentecostes. Seria um completo despropósito, portanto, dar azo a uma argumentação que acaba por atentar contra a própria Igreja, pois obscurece ou mesmo sonega à Mãe de Deus, sua mais representativa pessoa humana, tão caro registro. Aliás, assim como Maria só é Rainha porque Jesus é Rei, a Igreja só é mãe porque Maria é Mãe de Deus. E a pessoa de Maria na aparição registrada no livro do Apocalipse é evidentemente clara: "Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias de dar à luz. Ela deu à luz um Filho, um Menino, Aquele que deve reger todas pagãs nações com cetro de ferro. Mas Seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e de Seu trono." Ap 12,2.5
    A imagem da Igreja como mãe tem-se por São Paulo, quando falou da Jerusalém Celestial aos gálatas, embora, na verdade, ele invocasse a pessoa de Sara, que como Matriarca de Israel também é pré-figura da Maria: "Mas a Jerusalém lá do alto é livre, e esta é nossa mãe..." Gl 4,26
    Ela, a Jerusalém Celestial, é a Esposa do Cordeiro, como São João Evangelista viu: "Então veio um dos sete Anjos que tinham as sete taças, cheias dos sete últimos flagelos, e disse-me: 'Vem, e mostrá-te-ei a Noiva, a Esposa do Cordeiro. Levou-me em espírito a um grande e alto monte, e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do Céu, de junto de Deus, revestida da Glória de Deus.'" Ap 21,9-11a
    Nos demais textos bíblicos, temos a pré-figura de Maria Mãe Rainha na pessoa de Betsabé, que era a mãe de Salomão, a quem ele tratou com especial deferência, fazendo-a sentar à sua direita como era do hábito dos reis de Israel, dado que tinham muitas esposas: "Betsabé foi, pois, ter com o rei... O rei levantou-se para ir-lhe ao encontro, fez-lhe uma profunda reverência e sentou-se no trono. Mandou colocar um trono para sua mãe, e ela sentou-se à sua direita..." 1 Rs 2,19
    A mãe do rei Jeconias, seguindo essa tradição, também era tratada com tal deferência: "Eis o teor da carta que o Profeta Jeremias endereçou de Jerusalém aos demais anciãos cativos, aos sacerdotes e Profetas, e a todo povo deportado por Nabucodonosor para Babilônia, depois que deixaram Jerusalém o rei Jeconias, a rainha-mãe, os eunucos, os chefes de Judá e Jerusalém e os carpinteiros e serralheiros." Jr 29,1-2
    Outra pré-figura de Maria Mãe Rainha e grande intercessora aparece no livro de Ester, quando esta rainha, que era judia, pede por seu povo ao seu esposo, o rei da Pérsia, cujo aliado de outro país, Amã, havia assinado um decreto condenando à morte todos judeus: "Se achei Graça a teus olhos, ó rei, e se ao rei parecer-lhe bem, concede-me a vida, eis meu pedido! Salva meu povo, eis meu desejo!" Est 7,3
    Também falam de uma especialíssima rainha os Cânticos dos Cânticos, por cujos divinos reflexos de poder e Glória é impossível não ver Maria, a predileta de Deus, segundo Ele mesmo: "Há sessenta rainhas, oitenta concubinas, e inumeráveis jovens mulheres. Uma, porém, é minha pomba, uma só minha perfeita. Ela é a única de sua mãe, a predileta daquela que a deu à luz. Ao vê-la, as donzelas proclamam-na bem-aventurada, rainhas e concubinas louvam-na. Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol, temível como um exército em ordem de batalha?" Ct 6,8-10
    E o salmista havia visto uma finamente vestida rainha, cujos filhos, os sacerdotes, reinariam sobre a terra e cujo nome por todos povos seria eternamente celebrado: "Vosso trono, ó Deus, é eterno, de equidade é Vosso cetro real. ... posta-se à Vossa direita a Rainha, ornada de ouro de Ofir. Ouve, filha, vê e presta atenção: esquece teu povo e a casa de teu pai. De tua beleza encantar-Se-á o Rei. Ele é Teu Senhor, rende-Lhe homenagens. Tomarão teus filhos o lugar de teus pais, tu estabelecê-lo-ás príncipes sobre toda terra. Celebrarei teu nome através das gerações. E os povos eternamente louvar-te-ão." Sl 44,7.10b-12.17-18
    De fato, Nossa Mãe vai afirmar no Magnificat: "Por isso, desde agora, todas gerações proclamá-me-ão bem-aventurada..." Lc 1,48b
    Santa Brígida ratificou nas revelações que teve, segundo palavras de Jesus, o reinado de Nossa Mãe sobre os anjos e os Santos: "Tu és a Glória e a Rainha dos anjos e de todos Santos, porque Deus foi consolado por ti e a todos Santos deleitas." (Livro I, capítulo V)
    Esta Santa, enquanto esposa de Cristo, atestou: "A esposa viu a Rainha dos Céus, a Mãe de Deus, usando uma preciosa e radiante coroa sobre sua cabeça, com seu cabelo extraordinariamente belo e solto sobre seus ombros, uma dourada túnica com lampejos de um indescritível brilho e um manto azul de um claro e calmo Céu. Estando a esposa tomada de amor ante esta maravilhosa visão e mantendo-se em seu encantamento como sobressaltada de gozo interior, apareceu-lhe o bendito São João Batista e disse-lhe: 'Preste muita atenção ao que tudo isso significa. A coroa representa que ela é a Rainha, Senhora e Mãe do Reino dos Anjos. Seu cabelo solto indica que é uma pura e imaculada virgem. O manto da cor do céu quer dizer que ela está morta a tudo o que é temporal. A dourada túnica significa que ela esteve ardente e inflamada no amor de Deus, tanto internamente como em seu exterior.'" (Livro I, Capítulo XXXI)
    E o Batista deu mais estes reveladores detalhes: "Seu Filho colocou sete lírios em sua coroa e, entre eles, sete pedras preciosas. O primeiro lírio é sua humildade; o segundo, o temor; o terceiro, a obediência; o quarto, a paciência; o quinto, a firmeza; o sexto, a mansidão, pois ela amavelmente dá a todos o que lhe pedem; o sétimo é sua misericórdia nas necessidades, pois, em qualquer contrariedade em que se encontre um ser humano, se a invocar com todo seu coração, será resgatado.
    Entre estes resplandecentes lírios, Seu Filho colocou sete pedras preciosas. A primeira é sua extraordinária virtude, pois não existe virtude em nenhum outro espírito nem em nenhum outro corpo que ela não possua com maior excelência. A segunda pedra preciosa é sua perfeita pureza, pois a Rainha dos Céus é tão pura que nem uma só mancha de pecado nunca foi encontrada nela, desde o princípio quando veio ao mundo pela primeira vez até o dia de sua morte. Todos demônios juntos não poderiam encontrar nela nem a mínima impureza que coubesse na cabeça de um alfinete. Ela foi verdadeiramente pura, pois o Rei da Glória não poderia ter estado senão na mais pura e limpa, no mais seleto vaso entre os seres humanos. A terceira pedra preciosa foi sua beleza, para que Deus seja constantemente louvado pela beleza de Sua Mãe. Sua beleza enche de gozo os santos anjos e todas santas almas. A quarta pedra preciosa da coroa da Virgem Mãe é sua Sabedoria, pois ela foi agraciada com toda Divina Sabedoria em Deus e, graças a ela, toda Sabedoria completa-se e aperfeiçoa-se. A quinta pedra é o poder, pois ela é tão poderosa diante de Deus que pode esmagar qualquer coisa que foi feita ou criada. A sexta pedra preciosa é sua radiante claridade, pois ela resplandece tão clara que projeta luz sobre os anjos, cujos olhos brilham mais claros que a luz e os demônios não se atrevem nem a olhar o brilho de sua claridade. A sétima pedra preciosa é a plenitude de todo deleite e doçura espiritual, porque sua plenitude é tal que não há gozo que nela não seja incrementado, nem deleite que não se faça mais pleno e perfeito por ela e pela bendita visão que alguém possa ter dela, pois está cheia e repleta de Graças, mais que todos Santos. Ela é o vaso puro onde descansa o pão dos anjos, e é nele que se encontra toda doçura e beleza. Estas são as sete pedras preciosas que Seu Filho colocou entre os sete lírios de sua coroa. Por isso, como esposa de Seu Filho, dá-lhe honra e louvores com todo teu coração, pois Ela é verdadeiramente digna de toda honra e louvor!" (Idem)
    Não esqueçamos, porém, que antes mesmo da inigualável Graça de gerar o Salvador, Maria já havia sido agraciada por Deus, bem como permanentemente usufruía de Sua presença, como vemos nas palavras do Arcanjo São Gabriel. E acertadamente, vê-se incluso nesse prévio agraciamento Sua Imaculada Conceição: "Ave, agraciada, o Senhor é Contigo." Lc 1,28

    "Mãe, Rainha e Vencedora três vezes Admirável. Mostra-Te Mãe em minha vida."