sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

São Tomás Becket


    Foi amigo de adolescência e juventude de Henrique II, rei da Inglaterra no século XII, mas não pensou duas vezes antes de oferecer-lhe declarada resistência quando ele quis usurpar direitos da Igreja, através das leis chamadas 'Constituições de Clarendon'. Era, na ocasião, o Arcebispo de Canterbury, principal diocese britânica, atual sede da igreja anglicana, mas de início teve que fugir para a França, pois sua vida realmente estava em risco.
    Durante a mocidade, viveu como nobre e era amante da mundana vida, desfrutando de todas regalias de um cortesão em palácios, festas, cavalgadas e caçadas. Foi educado nas melhores escolas, tendo estudado também em Paris e em Bolonha, na Itália, a primeira universidade do mundo ocidental. Ao retornar a Londres, porém, por sua inteligência e sensibilidade foi convidado por Teobaldo, Arcebispo da Cantuária, para representá-lo em importantes missões em Roma. Demonstrou, nesses tempos, um profundo apreço pela Igreja Católica, e tornou-se arcediácono dessa diocese, além de reitor da renomada Escola de Beverly.
    Destacou-se de tal modo por seu brilhantismo nessas funções que foi nomeado por seu amigo, e então rei, Henrique II, para o cargo de Chanceler da Inglaterra. Seus dons de conciliador fizeram dele um excelente diplomata, cargo que exerceu por sete anos. As pretensões de poder do rei, entretanto, afastaram São Tomás da Igreja, levando-o a participar de cobranças de antigos impostos que visavam retirar a autonomia e direitos dos bispos. Evidentemente, o clero ressentiu-se da nova postura assumida por São Tomás, que também havia retornado ao convívio dos nobres e do rei em suas festas, assim como ao mundano comportamento.
    Tão íntimo estava da família real que o próprio rei lhe confiou a educação de seu filho. Mais tarde, ele iria dizer que havia recebido mais afeição de São Tomás que do próprio pai.
    Morto Teobaldo, o rei obteve do Papa a concessão para indicar o novo arcebispo, pois Roma tentava melhorar as relações com a corte inglesa. O Papa, porém, bem sabia que seu indicado seria São Tomás, e acreditava, como defendia João de Salisbury, Bispo de Chartres, na França, em sua definitiva conversão quando assumisse as funções do arcebispado, mesmo sob fortes protestos que viriam do clero da Inglaterra.
    O Bispo de Chartres estava certo: os desígnios de Deus cumpriram-se exatamente como o Espírito Santo havia inspirado a Igreja. E frustraram as ambições do rei, que não esperava tamanha transformação como a que se deu em São Tomás. Ele fielmente abraçou a vida de virtudes, praticando a pobreza evangélica e, para penitenciar-se, passou a usar grosseiras e desconfortáveis roupas por baixo dos paramentos. Sua ordenação de sacerdócio e, no dia seguinte, de arcebispado, no ano de 1162, alguns meses após a morte de Teobaldo, foram as centelhas que fizeram seu coração verdadeiramente arder de amor ao Evangelho.


    Não demorou para que ele pedisse afastamento do cargo de chanceler, e começasse a sonegar os impostos que ele mesmo vinha ajudando a arrecadar em nome do rei. Mas em outubro de 1163 Henrique II tentou isolar São Tomás, colocando outros bispos ingleses contra ele numa reunião em Westminster, porém sem sucesso, pois ele resistiu com serenidade. Em janeiro de 1164, bastante irritado e sentindo-se traído, o rei convocou uma assembleia no Palácio de Clarendon e apresentou 16 'constituições', que retiravam a independência do clero na Inglaterra e reduzia a influência de Roma. Todos bispos, que já vinham sendo pressionados, concordaram e assinaram, exceto São Tomás.
    Sob intensa perseguição por éditos que alcançavam também seus aliados, e até por caluniosos processos a respeito de seus anos como chanceler, São Tomás fugiu para a França, onde por seis anos esteve sob a proteção do rei Luís VII. De lá, ele pediu ao Papa a excomunhão de Henrique II e o Interdicto da Inglaterra, ou seja, a excomunhão de todo país por causa do apoio que lhe davam os bispos. Em 1167, por fim, o Papa enviou representantes para resolver o conflito, mas São Tomás recusou-os sob argumento que eles lhe tiravam a autoridade, e que negociar com o rei, sob as condições que ele impunha, ofendia os princípios da Igreja.
    Em 1170, quando o Papa estava prestes a adotar o Intedicto, Henrique II nomeou seu filho como rei da Inglaterra e proclamou-se imperador. São Tomás condenou seu antigo amigo pela dissimulação e contestou a coroação realizada pelo Bispo de York, que só ele, Arcebispo da Cantuária, poderia ter realizado. Acuado, Henrique II propôs-lhe a paz, convidando-o a coroar o príncipe. O Papa Alexandre III instou que São Tomás retornasse e reabrisse as tratativas de paz a partir do território inglês.
    Obediente, ele voltou aclamado pelos fiéis, mas, conhecendo a índole do ex-amigo, bem sabia o que lhe esperava. Dizia a todos: "Voltei para morrer no meio de vós!"
    Contudo, usando de firmeza e em respeito às leis da Igreja, logo ao desembarcar em Kent excomungou todos bispos que haviam pactuado com as 'constituições' do rei, bem como os que haviam tomado parte na coroação do príncipe. Essa atitude foi usada com a gota d'água por Henrique II, que, como já havia planejado, ordenou-lhe a morte. No entanto, mesmo sabendo que seria assassinado, São Tomás não quis fugir. Disse: "O medo da morte não deve fazer-nos perder de vista a justiça."


    Vestiu sua casula e foi para os degraus do altar, cantar as vésperas do Ofício das Horas, quando recebeu violentos golpes de quatro cavaleiros do rei, sem opor resistência. Monges e um visitante, que testemunharam o ataque, também foram feridos.



    Foi nesta ocasião que se descobriu que ele usava um cilício, camisa de rude e incômodo tecido, como um modo de penitência. Tinha 52 anos.
    Em 1173, menos de três anos depois, foi declarado Santo e Mártir pelo Papa Alexandre III.
    Em 1174, após a rebelião de seus três filhos, inclusive Ricardo, que se tornaria o cruzado cognominado Coração de Leão, tomado de arrependimento, Henrique II foi ao seu túmulo para penitenciar-se, pois já se havia tornado lugar de intensa peregrinação por tantíssimas Graças alcançadas. Então levou suas relíquias para a cripta da Catedral da Cantuária, e em 1220 elas foram expostas para veneração na Capela da Trindade, proeminente parte da Catedral, por trás do principal altar.
    Além de preservar o lugar de seu martírio, há na Catedral da Cantuária uma capela dedicada à sua homenagem, onde a parte de cima de seu crânio, brutalmente decepada durante o assassinato, com muito carinho foi venerada até a 'Reforma' Protestante', quando seu túmulo foi destruído e removido.


    A urna que guardou suas relíquias na Capela da Trindade, encontra-se no Museu Victoria e Albert.


    Uma relíquia, fragmento de osso seu que estava na Hungria, recentemente foi devolvido a Inglaterra.


    Mas a maior parte delas, corajosamente defendidas por fiéis católicos, seguem sendo veneradas e levadas em procissão por ruas da área e pela ponte de Londres.


    São Tomás Becket, rogai por nós!