terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Santo Urbano V


    Um bom e simples homem, mesmo sem ser cardeal, foi eleito papa. Nem bispo era.
    De nobre família da Occitânia, região ao sul da França, nasceu em 1310 e durante a infância estudou no mosteiro beneditino de Chirac, anos que para sempre marcariam sua vida. Em 1342, doutorou-se em ciências jurídicas após estudar e defender suas teses nas universidades de Montpellier, Toulouse, Avignon e Paris, posteriormente tornando-se professor de Direito Canônico em todas elas.
    Apesar de obter imediato reconhecimento como eminente professor, não gostou nem se demorou na vida das grandes cidades: preferiu ser monge e vestiu o hábito de São Bento.
    Não pôde, entretanto, esconder seus talentos. Ocupou várias e importantes funções até 1352, quando foi eleito abade no mosteiro de Notre Dame du Pré, no de São Germano de Auxerre e, por fim, no de São Vitor de Marselha, lugares onde conduziu seus pares a uma vivência de profunda espiritualidade e revelou inconfundíveis marcas de sua santidade.
    Em 1362, foi enviado pelo Papa Inocêncio IV em várias e complicadas missões diplomáticas, pois eram anos de violentas disputas entre reinos de toda Europa. Por questões de segurança, desde 1309 a sede da Igreja já não era mais em Roma: havia sido transferida para a cidade Avignon, no sudeste da França, sob a proteção de Carlos I, rei de Nápoles e da Sicília, terras que lhe foram doadas pelo irmão São Luís, quando era rei da França.
    Em meio a desmandos de reis e senhores feudais por tão materialistas interesses, a santidade de Santo Urbano V tornava-se cada vez mais evidente. E quando Inocêncio IV veio a falecer, ainda em 1362, foi surpreendido com sua eleição para sucedê-lo mesmo sem ter participado do conclave. Recebeu a notícia quando estava numa missão em Nápoles, tentando apaziguar os Estados Pontifícios, que eram grandes extensões de terra doadas à Igreja por sucessivos imperadores ao longo dos séculos, a maioria delas na Itália, embora nem sempre respeitadas por nobres locais, que entre si guerreavam.
    Solicitamente, nosso Santo encaminhou-se para Avignon, onde primeiro foi consagrado Bispo, e logo em seguida proclamado Papa. Em sua patente vida de piedade, sabia que a Igreja deveria ser referência de espiritualidade para o mundo, além de fonte de Paz. Assim corrigiu inadequados comportamentos e reconduziu o clero à disciplina, estimulando uma sincera prática de conversão.


    Entre tantas outras igrejas, mandou edificar a Catedral de Mende, no sul da França, e por sua universalista visão ativamente trabalhou para a evangelização da Bulgária, da Romênia e da Ásia. Como humanista, mas sem jamais abandonar a transcendência cristã, era preocupado com a formação dos leigos: ajudou a sustentar as Universidades de Orleans e de Orange, e fundou a de Cracóvia, na Polônia, e a de Viena, na Áustria, além da faculdade de medicina na Universidade de Montpellier, na França. Na Itália, na de Bolonha, ajudava a pagar os estudos de alunos pobres.
    Também trabalhou de exemplar modo para a pacificação da França e da Itália, dispersando bandos de mercenários que nesses países ofereciam seus 'trabalhos', quando os estimulou a combater ao lado do rei da Hungria contra a invasão dos islamistas otomanos. Zeloso das coisas de Deus, não vacilou quando precisou excomungar reis, recusar indicações de cardeais ou afastar interferências políticas em assuntos da Igreja.
    Desejoso de restaurar o Pontificado em Roma, e tendo dificuldade de organizar a resistência aos turcos trabalhando em Avignon, Santo Urbano V resolveu voltar à Cidade Eterna, mesmo sob grandes riscos e contra a vontade do rei da França e de alguns cardeais franceses. Era 1367. Embarcou em Marselha e viajou de porto em porto pela costa, mas não foi fácil entrar em Roma. Ainda em Viterbo, hospedou-se numa fortaleza por alguns dias enquanto reunia um considerável exército e era escoltado por vários príncipes.
    Terminou calorosamente acolhido pelos romanos e foi o primeiro Papa a estabelecer-se no Palácio Apostólico, próximo a Basílica de São Pedro, que desde então se tornou a residência oficial dos Papas. A cidade, de fato, estava em ruínas, mas ele ofereceu trabalho aos desempregados, plantou milho nos jardins do Vaticano, restaurou as igrejas da cidade e incentivou a população a retornar aos Sacramentos.
    Em 1368, o sacro-imperador francês Carlos V, que havia recebido suborno para renegar a autoridade da Igreja, arrependeu-se e como penitência ofereceu-se para andar pelas ruas de Roma guiando a mula que levava o Papa em seus trabalhos. Esses líderes, Papa e imperador, não eram vistos juntos havia mais de um século.
    Em 1369, o imperador de Constantinopla, João V, o paleólogo, publicamente renunciou ao Cisma do Oriente, converteu-se ao Catolicismo e pediu ajuda ao papa contra as invasões dos muçulmanos.
    A permanência de Santo Urbano V em Roma, porém, durou pouco. Ainda em 1367 havia morrido o Cardeal Albornoz, legado papal na Itália que ajudou a criar as condições de paz para seu retorno. Para piorar, a França iniciava a Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, e a Perúgia, região da Itália, insurgiu-se contra Roma, sendo reprimida só após violenta batalha.
    Assim em 1370 Santo Urbano V se viu obrigado a retornar a Avignon, pois, pressentindo sua morte, sabia que o próximo conclave, que escolheria seu sucessor, sofreria fortes pressões políticas se fosse realizado em Roma, o que colocava em risco a unidade da Igreja. Ele também levava em consideração a segurança do clero, além de acreditar que pessoalmente poderia ajudar a restabelecer a paz entre a França e a Inglaterra. Santa Brígida, que foi grande mística e muito incentivou-o a retornar a Cidade Eterna, também havia previsto sua morte logo que chegasse a Avignon, e em vão tentou evitar sua partida.
    Acabou mesmo morrendo poucos meses depois de chegar. Contudo, como tinha feito todos preparativos para visitar e tentar reconciliar Carlos V e Eduardo III, respectivamente reis da França e Inglaterra, preferiu passar para eternidade enquanto cumpria sua missão de pacificador, como lhe havia inspirado o Espírito Santo.
    Absolutamente convicto de sua monástica espiritualidade, seus restos mortais foram levados para a Abadia de São Vitor, em Marselha, como ele havia pedido.


    Localizado próximo ao altar da igreja da abadia, seu maravilhoso túmulo, como foi registrado nessa antiga gravura, infelizmente foi destruído durante a delirante e abjeta Revolução Francesa.


   Mesmo eleito papa, ele continuou a usar o hábito beneditino, exceto nas mais importantes ocasiões.


    Santo Urbano V, rogai por nós!